A história de Rebecca Taylor não é convencional, e talvez seja isso que faz falta ao desporto: algo que nos relembre que a performance não é uma equação simples, que nos recorde que uma carreira ao mais alto nível pode ter muitas cores e feitios. Aos 29 anos, Taylor abraçou o seu primeiro desafio no basquetebol profissional, mas o hustle esteve sempre lá. Chegou a Barcelos com uma medalha de ouro na seleção norte-americana Sub20 de futebol, depois de uma campanha brilhante nos relvados do Japão, ao lado de nomes como Samantha Mewis, Julie Ertz ou Crystal Dunn. Mas, se o seu brilhantismo tem contornos internacionais, foi um velho e conhecido instinto maternal minhoto que definiu o rumo da sua vida nos últimos dois anos. Como manda o ditado, comecemos pelo início.
Rebecca cresceu com dois irmãos mais velhos. No meio dos três, estava sempre uma bola de basquetebol ou de futebol. A indecisão cresceu consigo e, pela adolescência, a escolha entre as duas modalidades tornou-se cada vez mais urgente: “toda a gente me perguntava se gostava mais de futebol ou de basket”. Era muito raro – ou talvez nunca tivesse acontecido – que uma atleta praticasse duas modalidades na D1. Quer isto dizer que Rebecca conseguiu conciliar os estudos com uma carreira dupla entre a elite do desporto universitário norte-americano. “Na verdade, jogava melhor futebol, e começou a desenhar-se uma carreira profissional de futebolista”. A jinga da bola definia o seu jogo na quadra: “No basquetebol, nunca fui muito evoluída tecnicamente. Jogava a base e não marcava muitos pontos, mas ressaltava. Era aquela jogadora que estava sempre em grande forma, até por causa do futebol”.
Mas Rebecca acabaria por sofrer uma concussão no seu último ano na universidade, episódio que a obrigaria a pendurar chuteiras: “consultei um neurologista da universidade que recomendou que não voltasse a jogar”. Depois desta notícia, e já com o diploma na mão, a relação com o basquetebol estreita-se: “apitei jogos de basquetebol feminino da D1 durante 7 anos. Na verdade, essa experiência foi muito importante para mim, ajudou-me a compreender o jogo de outra forma. Não era uma jogadora de basket particularmente inteligente”. Depois de um longo período a ajuizar, o nascimento de Jojo, filha de Rebecca e de Dan Taylor, precipitou um regresso à quadra que ninguém antevira: “durante a gravidez engordei cerca de 20 kg, o que na minha profissão se tornou um problema. Por isso, tinha de voltar rapidamente à minha forma. Comecei a treinar, a jogar basket, e a minha universidade deixou-me usar as instalações.”
Num perfil que a Yahoo Sports traçou de Taylor, Cassandra Negley descreve como a jogadora do BC Barcelos, assistindo à conquista da WNBA pelas Washington Mystics, sentia que tinha ainda algo a oferecer à modalidade. Um dia, por isso, disse a Dan que, aos 29 anos, gostava de tentar a sua sorte como atleta profissional de basquetebol. O apoio incondicional do companheiro, apenas meses depois do nascimento de Jojo, foi fundamental. Quase 2 anos após o título das Mystics, a Athletes Unlimited, liga que reúne várias estrelas da WNBA durante a offseason, anunciou um tryout em Atlanta, bem longe da sua residência. Uma prestação que considera ter “ficado longe do que podia ter sido” – num mood de autossuperação que adivinhamos logo de soslaio -, é suficiente para que Becca seja uma das 4 jogadoras escolhidas do tryout para integrar a liga. Consta-se que, mesmo antes de se saber os resultados, Dan já procurava restaurantes em Las Vegas para celebrar. “No primeiro dia de treinos vi o jumper da Courtney Williams e pensei, ok isto está mesmo a acontecer”. Apesar de não ter sido muito utilizada na liga, “o boost de confiança” estava mais do que assegurado: “hey, tu consegues fazer isto”. À AU, segue-se um showcase na República Dominacana: “era um torneio para conseguir algumas gravações a jogar, não tinha nada”.
Pouco depois, o BC Barcelos acaba por descobrir Rebecca Taylor. Da proposta à chegada a Portugal dá-se um processo necessariamente delicado. Mais do que qualquer outra coisa, o overseas era agora o novo projeto familiar: “o trabalho do Dan nos EUA era totalmente remoto, por isso sabíamos que isso não seria uma questão. Para mim não era uma opção vir sem eles. Estou muito grata ao staff do clube, que trabalhou em conjunto comigo para encontrarmos uma solução. O primeiro vídeo que me mandaram era de uma casa com uma única divisão. Fiquei tipo… bem, isto não. Não queria ser uma diva, sabes, era a minha primeira oportunidade profissional. Mas disse-lhes que podia ser como quisessem, desde que tivesse uma porta: tínhamos uma recém-nascida que dormia às 7 da tarde, precisávamos de uma porta [risos].”
Encontramo-nos com a família Taylor num dia de feira, no campo da Quinta do Aparício, renovado pela Hoopers e pelo Município de Barcelos. No passeio, Jojo é um pequeno ponto luminoso que, do alto do seu triciclo, abre caminho pelo coração de Barcelos. Acaba de sair da escola, e o percurso até casa faz-se ao ritmo certo: “tudo é mais lento aqui em comparação com os EUA. Só andamos a pé, não usamos carro. Tem sido super bom para nós. A Jojo anda numa escola portuguesa, e está a tornar-se rapidamente o membro mais fluente da família. Foi uma mudança grande para ela, afastá-la dos avós. Mas cá encontrámos pessoas que são como família. Temos o privilégio de poder ver os nossos pais duas vezes por época, eles felizmente têm essa possibilidade. Mas aqui as pessoas amam-nos incondicionalmente, e ter esse tipo de conexão é super importante.”
Hoje, para a família Taylor, Barcelos “é uma casa longe de casa. Nós adoramos a cidade e queríamos muito ficar cá. Mas no ano passado, na final contra a ADS, pensei que a única solução seria ganhar o campeonato e subir de divisão, caso contrário teria de procurar outra opção. Sem qualquer desrespeito, até porque há excelentes atletas na segunda divisão, eu sabia que era uma jogadora de liga. Mas eu queria tanto ficar em Barcelos que cheguei ao ponto de entrar nos últimos dois jogos da eliminatória com uma costela partida. Gosto imenso da cidade e foi por isso que joguei nesse estado, queria ter uma oportunidade de estar na liga com o clube. O dinheiro não pode comprar tudo. Mudei-me com a minha família para cá, queremos sentir-nos em casa, estabelecidos. Estamos a tratar do visto e do processo de dupla cidadania, tenho o sonho de jogar pela seleção portuguesa.”
Neste momento, o BC Barcelos ocupa o oitavo lugar da Liga Betclic feminina, e o objetivo é claramente diferente: “se no ano passado só pensava em ganhar, agora aceitámos o desafio de tentar manter a equipa na liga e fazer uma boa campanha. Honestamente acho que ainda não estamos a praticar o nosso melhor basquetebol, e as outras equipas sabem-no. Mas tenho muito orgulho em poder dizer que sou uma líder na equipa, algo que não é fácil para uma jogadora estrangeira. Passámos por algumas dores de crescimento nesse processo, mas ter credibilidade para assumir essa liderança é excelente. Adoro Barcelos, adoro o clube, e quero muito fazer algo especial esta época, algo que as pessoas não esperam de nós. Queremos decididamente ficar em Portugal nos próximos anos, tomam mesmo bem conta de nós, e isso é muito mais importante do que o dinheiro. Para mim trata-se de ter a oportunidade de jogar basquetebol com a minha família cá, comigo, e de me manter presente como mãe”.
Rebecca Taylor segue para uma época impressionante na Liga Betclic feminina. No que depender de si, os dias continuarão a preencher-se de hi5’s espontâneos na rua e de muito orgulho nas cores que representa. Na segunda temporada de um percurso que começou apenas aos 29 anos, Taylor já conquistou as honras de uma carreira: Barcelos é a sua nova casa e a sua vida um exemplo de superação, determinação e muita coragem.