Alexander Kleis: Um álbum da Liga Betclic Feminina

Entrevista a Alexander Kleis.

A fotografia desportiva é quase sempre produzida por encomenda. Os clubes e as entidades que promovem as competições solicitam um modelo visual pouco variável, cujo propósito oscila quase sempre entre a reportagem e a sua aplicação – por exemplo – em elementos de comunicação para redes sociais. As imagens “mais a gosto”, com um cunho autoral vincado, seguem no link para os clientes, mas podem não ser escolhidas ou ser integradas em enquadramentos que não as favorecem. Este ciclo monótono não só uniformiza a imagem do próprio jogo, como elimina qualquer voz ou olhar mais próprios dos profissionais da área. De resto, esta é uma questão antiga. Mas as últimas décadas foram especialmente radicais: se os primeiros passos da fotografia digital reservavam ainda parte da imprevisibilidade da fotografia analógica, a maior definição das câmaras, ou a crescente precisão das lentes, sugere-nos uma via muito apetecível: reproduzir a realidade “tal como ela é”, sem pó, sem intrusões químicas nas cores, sem perguntas, sem a marca ruidosa do material. Mas hoje observamos óbvios movimentos de resistência a este panorama, como o revivalismo da fotografia analógica.

A Alemanha não ganhou a FIBA WC só dentro de campo. A caminhada histórica dos germânicos foi sendo documentada ao detalhe por criativos ligados à Leica, uma marca que procurou sempre diluir as fronteiras entre o digital e o analógico. Na Hoopers, também já destacámos o trabalho de Philipp Reinhard, fotógrafo associado tanto à seleção alemã como aos Hakro Merlins, que atuam na BBL. No futebol, Max Galys, ligado ao Eintracht Frankfurt, vai-se posicionando como um dos nomes a acompanhar numa nova geração de criativos da bola. A tendência será mais de natureza técnica do que nacional, mas a verdade é que a Alemanha vai conquistando um espaço especial na fotografia desportiva.

Alexander Kleis é um fotógrafo e videógrafo alemão que atualmente desenvolve a sua atividade entre Lisboa e Berlim. Cresceu na metade ocidental da capital germânica, mas foi uma viagem que despertou o seu instinto para a fotografia. O avô, que o acompanhava nessa experiência fora da Alemanha, tinha uma pequena e velha câmara DSLR que passou para as suas mãos. Alex começou a fotografar tudo à sua volta e, apesar da inocência dos primeiros disparos, já se notava a sensibilidade em vários aspetos. De regresso a Berlim, começa a fotografar concertos a convite de um amigo: “foi um desafio muito bom, tudo a acontecer rápido, a luz fraca. Depois conheci uma pessoa que fazia tutoriais de fotografia no YouTube e que me encaminhou para os seus vídeos. Aprendi imenso nessa altura.”

O desporto esteve sempre mais ou menos presente na sua vida. Fã de longa data do Arsenal, Alex cresceu a jogar basket nas ruas da capital, cultivando sempre o carinho pela atmosfera de outros palcos: “sempre apreciei o movimento ultra, e sentia alguma frustração em relação ao ambiente no pavilhão de basquetebol. Por isso, juntei-me a mais umas pessoas e criámos um grupo de apoio ao Alba Berlim. Pintávamos bandeiras, cantávamos. A dado momento, essa experiência deixou de fazer sentido para mim e saí, mas essa paixão pelo desporto está sempre presente.”

Em Lisboa, Alex tem desenvolvido sobretudo trabalho editorial, bastante centrado na fotografia de rua e de moda. Entre o digital e o analógico, vai circulando pelas ruas como “um fantasma”, atento “aos momentos cândidos e à magia que as pessoas carregam consigo: a minha postura nos pavilhões é relativamente parecida com a que tenho na rua. Tento ser uma espécie de fantasma, atento a momentos genuínos, sempre perto das pessoas e das suas reações. Como tenho trabalhado noutra área, nunca tive necessidade de adquirir lentes extremamente grandes, que me permitam grandes zooms. Também por isso, tenho procurado outros registos, no aquecimento ou depois do jogo. É algo que os fotógrafos profissionais também fazem, mas não vendem estas fotografias. Para mim tem a ver com captar pequenas histórias em torno do campo, do evento no geral, dos adeptos, e se calhar a fotografia de rua treina-te para ver esses momentos. É sempre engraçado arranjar formas de fazer as coisas com aquilo que tens. As pessoas estão habituadas a um determinado padrão de qualidade e género, mas começa-se a ver novas abordagens. O Max Galys, por exemplo, que é fotógrafo de uma equipa e que também recorre muito à fotografia analógica. Há clubes que já olham para a fotografia de outra forma, que já têm uma preocupação com uma determinada estética, mas depende sempre do que estiveres a fazer. Neste momento, é ótimo que eu tenha a liberdade de trabalhar à minha maneira, sem alguém a pedir-me algo mais específico.”

 

Desde que Alex está em Portugal já visitou três pavilhões da Liga Betclic Feminina. Mais recentemente, marcou presença no encontro entre SL Benfica e Gdessa, depois de já ter visitado as casas do Carnide e do Ferragudo: “mantenho-me em contacto com algumas atletas e vou fotografar os seus jogos. Neste momento estou também a tentar agrupar as minhas paixões na fotografia, e o desporto é uma delas. Uma amiga alemã dizia-me que era engraçado eu estar só a fotografar jogos de equipas femininas e como isso era um apoio importante, dando-lhes maior destaque e visibilidade. Creio que também tem a ver com essa questão: gosto de dar relevo ao basquetebol feminino, de contribuir de alguma forma.”

Numa altura em que o desporto se abre para novos terrenos, em que os departamentos de comunicação dos clubes se vêem a braços com temas interseccionais – a consciência social e a luta contra o racismo e a xenofobia, a igualdade de género e de oportunidades -, a imagem do basquetebol e das suas intervenientes é uma nova oportunidade para construir narrativas plurais e diversas, capazes de ampliar mensagens que fazem realmente a diferença. O trabalho do Alex é um exemplo perfeito do que queremos dizer, e logo aqui tão perto.

Fotografias de Alexander Kleis.

 

Escrito por: Francisco Silva