“Porque é que isto está a acontecer comigo? Logo no ano em que me preparei a sério para vir para cá. Antes eu pensava muito assim: “Sou a Leti, tenho talento, vou conseguir. Mas este ano preparei-me a sério. No ginásio, no treino, na alimentação, psicologicamente, espiritualmente. Foi por isso que me integrei tão rápido. Não vim para cá para isto, para me lesionar. Vim para ser campeã pelo Esgueira”.
CP Esgueira x CPN foi um dos primeiros jogos desta edição da Liga Betclic feminina em que a Hoopers marcou presença. Nesse dia, num encontro equilibrado do princípio ao fim, a vitória acabou por sorrir à equipa de Ermesinde. Contudo, no recap, fizemos questão de destacar a exibição de Leticia Rodrigues. No arranque da competição, a jogadora do emblema aveirense vinha somando números impressionantes, fortalecendo o seu estatuto numa liga que conhece bem. A garra, a determinação em cada ressalto, defensivo ou ofensivo. Por tudo isto, foi com tristeza que recebemos a notícia da sua lesão grave. “Fiquei maluca, passei muito mal, estava entrando em depressão. Mas percebi que não me podia entregar, que tinha de trabalhar para voltar mais forte”. De lá para cá, passaram alguns meses, os clubes fizeram ajustes nos seus planteis e começámos timidamente a apontar favoritos à conquista do título. O calendário de Leticia, que nunca deixou de correr em paralelo, conta ainda com vários meses de tratamento, mas no horizonte já se vislumbra um regresso. “Vou voltar agora para o Brasil, continuar a recuperar junto do meu filho, mas regresso ao Esgueira em Agosto, e trago-o comigo”. Viajamos também para São Paulo, meados da década de 90.
“Comecei a jogar por acaso. Lutava boxe e fui sempre muito alta, muito forte. Um dia uma moça me viu e disse: você tem talento, vamos tentar o basquete. Inicialmente não gostei muito, aprendi a gostar treinando. Teve um jogo em que fui muito bem e me joguei no basquete. Tinha 13 anos quando saí do boxe”. Dá os primeiros passos no Praia Grande e vai, mais tarde, para Santos e para o interior do estado. O talento de Leticia Rodrigues é rapidamente notado pela seleção brasileira, que a convoca para os escalões de formação com 17 anos. A primeira experiência com as cores do seu país é logo um teste de fogo, um Mundial na Lituânia: “era a mais nova da equipa, e também por isso, apesar de não ter tido muito tempo de jogo, aprendi imenso”. A seleção sénior do Brasil estava a dois passos, e com 18 anos soma a sua primeira internacionalização A. “No meu primeiro campeonato com a seleção tinha 19 anos. Foi um momento importante, pensei “vou-me jogar de verdade agora, tenho potencial para isso”.” É também por esta altura que cumpre a sua primeira experiência no basquetebol português, ao serviço do Sportiva, dos Açores: “a minha vida é feita de testes, e vir para Portugal foi mais um. Vamos ver se jogo bem lá”.
Depois de uma passagem muito positiva pelo arquipélago, regressa ao Brasil e dá continuidade à carreira em casa, aumentando sempre a sua experiência internacional com a seleção. “Para que pudesse ter um tempo de vida longo no basquete, decidi engravidar: o meu foco era ser mãe, e queria ser mãe cedo para ter mais tempo a competir. Preparei-me para isso, durante 8 meses guardei dinheiro em Portugal, e assim consegui manter-me durante 12 meses, os 9 de gestação e os 3 a preparar o meu regresso à quadra. No Brasil, quando uma atleta engravida, há um corte imediato no vínculo contratual e você se vira. Depois de ter o meu filho quis parar, mas não me deixaram, porque diziam que tinha muito potencial e não podia parar.”
Segue-se uma experiência em Espanha que, mais uma vez, “serviu de teste: se eu conseguisse aguentar 4 meses longe dele, e ele também, íamos conseguir aguentar os 8 meses de uma época completa”. Leticia cumpriu a sua primeira temporada integral fora do Brasil em 2021, com as cores do Quinta dos Lombos. Em Esgueira, este seria o seu segundo ano consecutivo mais afastada de Joaquim. No regresso antecipado, há um balanço a fazer: “os times agora estão dando oportunidade para as jogadoras brasileiras. No ano em que vim para o Sportiva tinha só eu e a Rapha (Raphaella Monteiro). Fizemos números incríveis e hoje há muitas brasileras aqui. O basquete connosco tem crescido muito, e entrosamo-nos rapidamente, parecemos quase portuguesas [risos]. Dão-nos um suporte incrível e preparam-nos para contextos diferentes. Há meninas que não têm tempo de jogo no Brasil e que conseguem jogar cá. Isso é muito importante”.
O futuro passa por Portugal e pelo Esgueira, e avizinha-se menos solitário, com a chegada do pequeno Joaquim. O tempo cura tudo, e não há lesão que nos faça esmorecer.